terça-feira, 24 de novembro de 2009

PESQUISA ATUAL

Dentro dos limites de um curso de apenas um semestre sobre todos os escritos neotestamentários, exceto os evangelhos sinóticos e o livro de Atos, buscamos realizar um levantamento bibliográfico sobre o nosso recorte de estudo, a saber, as epístolas relacionadas ao apóstolo Pedro. Como neste momento o nosso interesse reside especialmente no conhecimento da literatura mais recente publicada sobre o tema, direcionamos nosso olhar para artigos científicos e, só posteriormente para trabalhos exegéticos de maior fôlego, que depreendem um maior tempo de elaboração.
Não conseguimos encontrar, em português, uma boa quantidade de referências bibliográficas atualizadas sobre as Cartas de Pedro. Em comparação às Cartas Paulinas, por exemplo, que já possuem uma vasta literatura publicada em língua portuguesa, os estudos nos escritos petrinos ainda carecem de uma maior visibilidade em nossa língua. Deste modo, para representar, ainda que parcialmente, a situação atual da pesquisa, selecionamos o artigo “Um Lar (Celestial) para quem não tem Casa: uma História da Tradição de 1 Pedro”, publicado em 2008 por Kenner Roger Cazotto Terra, e recorremos ao livro “A Primeira Carta de Pedro: um comentário exegético-teológico”, mais recente obra (2009) publicada no Brasil sobre a primeira Carta de Pedro, de autoria de Reinhard Feldmeier.
O primeiro texto foi publicado pela Âncora, Revista Digital de Estudos da Religião da Faculdade de Teologia IV Centenário, localizada em São Paulo. Seu autor é um biblista ainda em formação. Ele é mestrando em Ciências da Religião na Universidade Metodista de São Paulo, sendo Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul, onde realizou trabalho de conclusão de curso sobre a primeira Carta de Pedro.
“[...] A carta de 1 Pedro teve sua redação com propósitos sociais, de caráter preservativo e, ao mesmo tempo, gerando esperança sócio-histórica. Contudo, percebo que dentro desse escopo histórico, aparecem ‘ruídos’ apocalípticos que fazem interferências no desenvolvimento do texto” (TERRA, 2008:72). Assim Terra percebe o principal objetivo de 1 Pedro, partindo de uma exegese sociológica, tributada especialmente a John Elliott em “Um lar para quem não tem casa: interpretação sociológica da primeira carta de Pedro”, obra na qual o autor fundamenta sua pesquisa.
Com este pressuposto, o articulista se propõe a identificar a tradição mais antiga e predominante na carta, que apresenta uma resposta sociológica para seus destinatários e, a identificar a tradição mais recente, responsável pelos acréscimos apocalípticos. Para tanto, lançou mão das definições dos termos parepidemoi e paroikoi, segundo a interpretação de Elliott, esclarecendo a primeira expressão representa os forasteiros migrantes e a segunda os estrangeiros residentes. “Os Paroikoi eram os estrangeiros que tinham adquirido o direito de residência, mas não desfrutavam do direito de cidadania. Os parepidemoi, por outro lado, eram os estrangeiros que nem o direito de residência tinham. Esses grupos eram estranhos de cultura, língua, costumes, filiação política, social ou religiosa do povo onde habitavam. Não gozavam de nenhum direito político, não podiam participar das assembléias populares e eram excluídos do serviço militar” (TERRA, 2008:73). Assim sendo, fariam parte da comunidade de 1 Pedro judeus e pagãos convertidos ao cristianismo, que encontrariam lugar naquela comunidade.
Neste primeiro momento (72 d.C.), Terra percebe uma perseguição “atenuada”, caracterizada apenas por injúrias, difamação e calúnia. Não havendo ainda uma perseguição institucionalizada como passará a ocorrer no segundo século. Portanto, “este momento da história da tradição de 1 Pedro mostra um estágio anterior (antes do aparecimento dos ruídos e das contradições históricas dentro da própria obra) de uma carta que tem uma lógica de consolo, na qual a casa de Deus, vivida na comunidade cristã lhes dava identidade” (TERRA, 2008:74).
De acordo com o autor, num segundo momento, de modo aparentemente contraditório, o discurso teológico da 1 Pedro passa a ganhar tons menos históricos e mais apocalípticos. No primeiro momento, a esperança viva da comunidade repousava na ressurreição de Jesus, restaurando a sua dignidade após a morte na cruz. Porém, no segundo momento, essa esperança transmuta-se para o mundo celestial, num momento futuro. Assim, os destinatários não mais se alegrariam na ressurreição de Cristo, mas na promessa celeste de restauração futura. Esta mudança constitui, para Kenner Terra, um dos ruídos do segundo momento da tradição de 1 Pedro.
Outro elemento que demonstraria tratar-se de um período posterior na tradição de 1 Pedro seria a mudança na perseguição, que doravante se torna institucional, não meramente local, mas universal, marcando um novo momento da carta. Outra mudança, na visão deste artigo, acontece na imagem de Pedro, que inicialmente é apresentado como apóstolo de Jesus Cristo, e no segundo momento como membro de uma escola de presbíteros.
Assim, Terra conclui que haveria uma primeira redação que ele chama de I Pedro-Hipotética, caracterizada por uma perseguição não institucional e mais amena, que procurou oferecer consolo, identidade e lugar social para forasteiros residentes e estrangeiros migrantes. A segunda redação, chamada de I Pedro Transformada, seria marcada por uma perseguição ampla e institucional, momento em que surgiu um espírito apocalíptico que se reflete nos ‘ruídos’ do texto. Para corroborar sua tese o biblista também recorre a fontes externas como a carta de Plínio ao Imperador Trajano, e outros acontecimentos na história dos primeiros cristãos.
No final do seu artigo, Kenner Terra apresenta um quadro comparando as duas redações identificadas por ele na tradição de 1 Pedro:

Esquema da história da transformação de I Pedro

I Pedro-Hipotética
(antiga)
Período: Imperador Vespasiano (72 d.C.)
Tipo de perseguição: calúnias, difamações, não-institucional.
Esperança: Histórica, social, casa/identidade.
I Pedro Transformada
(com os ruídos)
Período: Imperador Trajano (112 d.C.)
Tipo de perseguição: institucional, universal, com torturas e mortes.
Esperança: Apocalíptica, escatológica, não-histórica, celestial.

Naturalmente o lugar hermenêutico do autor influencia em grande medida a sua interpretação. Observa-se claramente a opção pela perspectiva histórico-sociológica, que busca responder às questões dos cristãos latino-americanos hoje. Esta é uma perspectiva influenciada pelos pressupostos da Teologia da Libertação, presente também em outros autores (ANTONIAZZI, NOGUEIRA, KONINGS). O próprio autor reconhece que embora este viés libertador atribuído à epístola de Pedro seja compartilhado por vários autores, as hipóteses de explicação das “contradições” e tensões no texto possuem seus pontos fracos. Segundo nossa análise, este artigo logrou avanços em relação ao texto do Alberto Antoniazzi “A saída é ficar. O conflito dos cristãos com a sociedade segundo a primeira epístola de Pedro” Estudos Bíblicos 15, Petrópolis, Vozes, 1987. Diferente de Antoniazzi que buscou atenuar as expressões mais apocalípticas da carta, Terra tentou assumir e enfrentar mais diretamente as tensões do texto, ofertando uma alternativa hermenêutica. Entretanto, a identificação destes ruídos sugere uma quebra de unidade no texto que a maioria dos exegetas não assinalaram.
A interpretação pretendida neste artigo se mostra bastante sedutora para estudantes, teólogos e pastores que atuam em contextos sociais desfavorecidos, como é o nosso caso. Todavia, ainda que exista uma notória mudança na esperança apresentada por 1 Pedro, não se percebe uma alteração significativa na forma, na linguagem ou em outros elementos formais e literários. Portanto, a tentativa de localização dos momentos de redação do texto, em considerando dois momentos, traz grandes dificuldades. Permanece, assim, a necessidade de melhores esclarecimentos sobre as perspectivas sociológica e apocalíptica de I Pedro.
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TERRA, K. R. C. . UM LAR (CELESTIAL) PARA QUEM NÃO TEM CASA: UMA HISTORIA DA TRADIÇÃO DE 1 PEDRO. Âncora Revista Digital de Religião, 2008.
Por Messias Brito

Um comentário:

  1. Creio que o estudo das espístolas petrinas produziu resultados positivos, tendo em vista que a equipe apresentou pontos fundantes para a realização de uma exegese e a hermenêutica coerente.
    Os resultados de pesquisas apresentados em sala de aula, tornam-se ferramentas necessárias para o estudo, a interpretação e aplicação o texto em nossas comunidades. Levando em consideração o contexto (aspectos culturais, sociais, políticos, econômicos, religiosos, dentre outros)dessas comuidades

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