quinta-feira, 26 de novembro de 2009

História da Pesquisa


História da Pesquisa

Para a realização da história da pesquisa das cartas de Pedro comparamos os textos de vários autores sobre essas cartas como: Oscar Cullmann, Raymond Brown e Alberto Antoniazzi. Este último foi escolhido como base para este trabalho por considerarmos que sua interpretação das cartas de Pedro tem uma perspectiva que não pretende contrariar a interpretação feita por Cullmann e Brown mostrando um olhar do escritor das cartas para a vida na eternidade (o lar celestial), como recompensa do sofrimento suportado por aqueles que estavam sendo perseguidos, mas indo, além disso, situando os destinatários para um olhar da vida em comunidade e os levando a se posicionarem diante dos problemas existentes na sociedade do seu tempo.
Antoniazzi traça um paralelo em três interpretações das cartas de Pedro para nos direcionar para uma leitura mais coerente dessas cartas e nos situar na sociedade como cristãos que somos e com nossa responsabilidade social.
A primeira interpretação da carta de 1 Pd é bastante conhecida e difundida. Por muito tempo pareceu a própria interpretação do cristianismo, mesmo no catolicismo popular. De fato, a 1 Pd dá mais importância à paixão de Jesus, e aos seus sofrimentos, do que propriamente à morte e à ressurreição, como faz Paulo em seus escritos. É o Jesus que sofre como o povo sofre o Jesus no qual se podem reconhecer os traços concretos do sofrimento humano de muita gente. Para Antoniazzi, seria superficial pensar num esquema dualista: Jesus sofreu aqui na terra e tem a glória no Céu; de formas semelhantes os cristãos sofrem agora, para participar da glória depois. Na realidade, a teologia do sofrimento da 1 Pd parece se inspirar na tradição das “histórias dos mártires” do judaísmo. O judaísmo tinha reconhecido um sentido teológico do sofrimento: ele é purificação também para o povo de Deus (1 Pd 4.17), e é juízo; mas sobretudo é graça; é algo que agrada a Deus, sofrer por Ele, ser fiel na provação (1 Pd 2.19).

A segunda interpretação da 1 Pd acentua separação entre este povo, o povo de Deus formado agora pelos cristãos, e o resto da sociedade. As comunidades a que se dirige a 1 Pd tenderiam a formar uma “seita”, um grupo separado fechado sobre si mesmo. Acreditando-se o verdadeiro povo de Deus, acabariam não apenas desprezando o antigo povo de Deus, ou seja, os judeus, mas também olhando negativamente para qualquer outro grupo religioso fora do cristianismo. De um lado a comunidade cristã se torna solidária, coesa e unida; mas, de outro lado, haveria um preço a pagar por isso: o preço da separação e do distanciamento, do isolamento e do relacionamento hostil com os “outros”. Certamente a 1 Pd se esforça para que os cristãos assumam plenamente a consciência de sua dignidade como povo de Deus, eleitos, santos, escolhidos; particularmente 2.5-10 procura mostrar o caráter sacerdotal que a comunidade toda assume.
A tese da seita é reforçada pelos aprofundados estudos de J. H. Elliot. Ele vê na 1 Pd a proposta de “uma casa para quem não tem casa”, uma casa num sentido muito particular, “uma grande família”, que oferece solidariedade e proteção a muitos. A Igreja 1 Pd seria esta “casa” de Deus que acolhe pobres e marginalizados, transformando-os em cidadãos e irmãos, conscientes de pertencer a uma casa mais nobre que a de César, mais estável e poderosa do que as “casas” dos ricos e poderosos que dominam a sociedade pagã. Mas o relacionamento dos cristãos com a sociedade não vai além?
Na terceira interpretação, Antoniazzi diz que antes de tudo, não parece exato entender o sentido da proposta da 1 Pd como a de uma seita isolada do mundo, fechada sobre si mesma. Os cristãos daquela época correram o perigo de transformar-se em pequena seita. Mas na 1 Pd o dinamismo missionário está presente, junto com a vontade de permanecer na sociedade de forma construtiva e critica. A 1 Pd não convida os cristãos a se retirarem do mundo, rompendo as relações com os pagãos. Ao contrário, espera que a conduta dos cristãos possa convencer os pagãos a mudar de opinião, de atitude, de vida. A conduta dos cristãos seria exatamente o que deixaria confundidos os pagãos (1 Pd 2.12; 3.1; 3.15-16).
A atitude do cristão dentro da sociedade é descrita positivamente na 1 Pd como “fazer o bem a todos por amor do Senhor”. A 1 Pd indica algumas regras (2.13 – 3.7), parecidas com regras do lar ou tábuas domésticas que se encontram na literatura estóica e também no Novo Testamento. Essas regras se aplicam às instituições fundamentais da sociedade: o estado, a família (ou a casa, isto é, a grande família que inclui escravos e empregados e é também a base das atividades econômicas, o casamento.
Estas regras se iniciam pelo imperativo “submetei-vos” (2.13-18; 3.1). Para nós, isso faz pensar em conformismo, resignação, acomodação. Mas é este o verdadeiro sentido?
“Submetei-vos” (em grego: hypotágete) pode ser entendido melhor como “integrai-vos” (ou até: engajai-vos) na “ordem” social. Mas isto não significa que esta ordem da sociedade seja considerada justa, ou natural, ou até eterna. Os cristãos sabem que esta ordem é muitas vezes injusta, marcada pelo pecado e que ela é transitória, submissa ao juízo de Deus. Pelo fato porem de viver nesta sociedade, o individuo (também o cristão) adquirem uma responsabilidade para estas instituições humanas. E é ao exercício de sua responsabilidade social que a 1 Pd convida os cristãos.
Indo um pouco mais longe podemos nos perguntar se a 1 Pd pensou numa critica da sociedade do seu tempo e numa alternativa. Vimos que exclui a fuga, o abandono da sociedade. Também não prega a revolta contra ela, sobretudo a revolta armada, a violência. Mas a sociedade pagã deve ser tolerada sem nada fazer para mudá-la? Novamente, parece que seria subestimar a 1 Pd se interpretássemos a integração a integração dos cristãos na sociedade como pacifica e ingênua. Na 1 Pd os cristãos estão claramente em conflito com a sociedade, mesmo se eles procuram ter mansidão e respeito. Os textos da 1 Pd deixam claro que os cristãos agem segundo consciência (2.19) e esta é a consciência da vontade de Deus. O cristão é levado a distinguir o que nas instituições humanas está na ordem da criação e o que é injusto, contrário à vontade de Deus. Neste caso, é claro, obedecerá à Deus e não às autoridades humanas.
Para Antoniazzi a 1 Pd pode ser lida em muitas perspectivas diferentes. Cada um pode descobrir um ângulo próprio e se confrontar com um aspecto. Por isso também as conclusões, que se podem tirar devem ser diferentes. Nela descobrimos, antes de tudo, os indícios, os traços de uma situação de sofrimento das comunidades.
Antoniazzi diz que esta situação, lida com os olhos da fé, especialmente com os olhos dos mártires, por quê? Porque ajuda os cristãos a discernirem melhor (crise, na sua origem, significa discernir, julgar, peneirar). Ela põe à prova e purifica a nossa esperança.
Mas como sair da crise? Para Antoniazzi, talvez a pergunta não esteja correta. A crise é permanente para o cristão. Ele sempre viverá em crise, no conflito entre a sua esperança (o reino) e a sociedade imperfeita e injusta desta terra (o mundo). Muito pior é quando o cristão se ilude de sair da crise anulando uma das duas: ou a sua esperança no reino, ou o seu engajamento na sociedade.

Bibliografia:

BROWN, Raymond Edward. Introdução ao Novo Testamento. Paulinas. São Paulo, 2004.
CULLMANN, Oscar. A Formação do Novo Testamento. 10ª edição. Sinodal. São Leopoldo, 2007.
ANTONIAZZI, Alberto. A Saída é Ficar. O Conflito dos Cristãos Segundo a Primeira Epístola de Pedro. Estudos Bíblicos 15, Vozes, Petrópolis, 1987.

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